sábado, 17 de outubro de 2009

Tears across my street


Pedem-me vezes sem conta para acreditar que as pessoas valem a pena o esforço que temos para com elas. Lembro-me bem das conversas de outrora em que conversava sobre sentido da vida e em que discutia o que queria ser quando fosse adulto.

Pois bem, sou adulto.

Não vou mentir e dizer que não sinto necessidade da loucura juvenil e da insanidade dos adolescentes. De vez em quanto, até, regresso a esses tempos e permito-me a um pouco de insanidade. Não tanto de loucura, pois esta tem repercussões um pouco mais graves.

Contudo, nunca, nem em tempos de adolescência abdiquei dos valores da justiça e da verdade, mesmo que isso fosse efectuado em prol de um bem ou conjunto maior. Costuma-se dizer que as paredes têm ouvidos...

A mentira é sempre descoberta. Às vezes, até no acto. Porque o meu estado de mente permite a sensibilização imediata e a descoberta iluminada.

A solução é seguir em frente e sentir que a minha percepção de engano é completamente inexistente. E que a percepção de outrem de manipulação é gigantesca e inexpugnável, ainda que tal seja recíproco.

Às vezes temos de seguir em frente, ainda que tristes.

André Mendes de Sá

domingo, 11 de outubro de 2009

Grita!

Acordei com uma necessidade gigantesca de te pedir algo extremamente inapropriado.

Consertas-me?

Preciso de um arranjo, urgentemente.

Estou danificado. Há já imenso tempo. Talvez a razão pela qual ninguém se aproxime demasiado é o medo de eu fazer este pedido. Arranja-me! Modifica-me! Integra-me!

Não consigo mais viver com uma pena no coração, enterrado junto ao barril de sangue que é o meu sofrimento ocasional e eterno.

Quero que apanhes aquele frasco e me dês, junto com ele, a tua inocência, a tua bondade, a tua gentileza... o teu ser.

Torna-me teu. Torna-te minha.

Talvez um dia signifiquemos algo mais do que mera areia, espalhada na praia sem fim.

Respira, vive e sente.

AMS

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Fixer



Se há momento do qual não temos lembranças, é o nosso sempre nobre nascimento. Nobre pois é uma vida que se depara com o mundo, seja ele qual for. Mais uma consciência que pode vir a fazer a diferença, um dia.

Nasci sem pedir por isso. Involuntariamente, conheci um mundo imperfeito em praticamente todas as vertentes imagináveis. Certo é que, para contar a história do dia em que fui trazido ao mundo, preciso de ajuda. Os relatos são, na sua maioria, inseguros e contraditórios. Mas, não se esperava algo diferente… O nascimento pode ser nobre, mas a vida futura não possuía um pingo de nobreza ou respeito.

A história hipotética diz-nos que a minha mãe era uma toxicodependente que, por medo do aborto, me manteve no seu útero por nove meses. Mas, nem o facto de carregar uma vida humana fez com que largasse vícios tão tacanhos. Diz-se que aprendemos com os erros… Pena que não tenhamos a história dos nossos antepassados na nossa memória… Talvez não repetíssemos esses erros!

Depois de berrar pela primeira de muitas vezes, fui abandonado. A minha progenitora podia estar fraca devido ao parto… mas teve forças suficientes para me largar num caixote do lixo, num beco escuro de Lisboa.

Durante cinco horas permaneci, deitado, chorando… Talvez sentisse falta de aquilo que todos devemos possuir por direito, quando nascemos: amor. O carinho que faz com que o racionalismo com que fomos brindados se sobreponha a um destino de irracionalidade, crime, injúria.

Tudo isto é, obviamente, hipotético. O primeiro verdadeiro facto da minha existência acontece, então, cinco horas após o parto. Um casal de namorados, que procurava um local sossegado para expandir a sua loucura e tensão, ouviu os berros de um bebé e procurou a sua origem.

Como é natural, ficaram chocados como, em finais do século XX, ainda existissem pessoas tão medíocres, a ponto de abandonarem algo tão indefeso… Transportaram-me até ao hospital mais próximo, deixaram os seus dados e saíram. Não da mesma forma, como me contaram décadas depois. Aprenderam e cresceram muito com aquele acontecimento. Todos vemos isto na televisão… mas observar e viver algo assim… é algo indescritível. Abrimos realmente os olhos para o chão que pisamos.

Fui mantido durante dias, em observação… Mantive-me saudável, com a preciosa ajuda dos profissionais de saúde. Uma das enfermeiras encarregadas do meu cuidado deu-me a primeira bênção que obtive: o nome. Passei de um desconhecido abandonado a Luís Miguel…abandonado.

Depois… os anos passaram e algumas recordações perduram. De instituição em instituição… de maldade em ofensa… tudo passou e, infelizmente, tudo ficou. Há coisas que preferia esquecer. Mas velhos ditados permanecem… a vida não é perfeita… e a minha tinha estranha afinidade pela imperfeição extrema.

A forma como começa a história de uma vida costuma ser bonita… com muitas fotografias e momentos memoráveis… a primeira palavra, o primeiro passo. Não sei quando ocorreram tais momentos. Perdi o melhor da vida e, hoje, tento compensar a infelicidade a que fui sujeito e o destino que me foi traçado. Porque podem ter tirado muito de mim… mas a curiosidade e o inconformismo… são meus. Ninguém me tirará isso.

Nem hoje, nem nunca.

Finalmente, um tempinho para o blog. =)