sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Fixer



Se há momento do qual não temos lembranças, é o nosso sempre nobre nascimento. Nobre pois é uma vida que se depara com o mundo, seja ele qual for. Mais uma consciência que pode vir a fazer a diferença, um dia.

Nasci sem pedir por isso. Involuntariamente, conheci um mundo imperfeito em praticamente todas as vertentes imagináveis. Certo é que, para contar a história do dia em que fui trazido ao mundo, preciso de ajuda. Os relatos são, na sua maioria, inseguros e contraditórios. Mas, não se esperava algo diferente… O nascimento pode ser nobre, mas a vida futura não possuía um pingo de nobreza ou respeito.

A história hipotética diz-nos que a minha mãe era uma toxicodependente que, por medo do aborto, me manteve no seu útero por nove meses. Mas, nem o facto de carregar uma vida humana fez com que largasse vícios tão tacanhos. Diz-se que aprendemos com os erros… Pena que não tenhamos a história dos nossos antepassados na nossa memória… Talvez não repetíssemos esses erros!

Depois de berrar pela primeira de muitas vezes, fui abandonado. A minha progenitora podia estar fraca devido ao parto… mas teve forças suficientes para me largar num caixote do lixo, num beco escuro de Lisboa.

Durante cinco horas permaneci, deitado, chorando… Talvez sentisse falta de aquilo que todos devemos possuir por direito, quando nascemos: amor. O carinho que faz com que o racionalismo com que fomos brindados se sobreponha a um destino de irracionalidade, crime, injúria.

Tudo isto é, obviamente, hipotético. O primeiro verdadeiro facto da minha existência acontece, então, cinco horas após o parto. Um casal de namorados, que procurava um local sossegado para expandir a sua loucura e tensão, ouviu os berros de um bebé e procurou a sua origem.

Como é natural, ficaram chocados como, em finais do século XX, ainda existissem pessoas tão medíocres, a ponto de abandonarem algo tão indefeso… Transportaram-me até ao hospital mais próximo, deixaram os seus dados e saíram. Não da mesma forma, como me contaram décadas depois. Aprenderam e cresceram muito com aquele acontecimento. Todos vemos isto na televisão… mas observar e viver algo assim… é algo indescritível. Abrimos realmente os olhos para o chão que pisamos.

Fui mantido durante dias, em observação… Mantive-me saudável, com a preciosa ajuda dos profissionais de saúde. Uma das enfermeiras encarregadas do meu cuidado deu-me a primeira bênção que obtive: o nome. Passei de um desconhecido abandonado a Luís Miguel…abandonado.

Depois… os anos passaram e algumas recordações perduram. De instituição em instituição… de maldade em ofensa… tudo passou e, infelizmente, tudo ficou. Há coisas que preferia esquecer. Mas velhos ditados permanecem… a vida não é perfeita… e a minha tinha estranha afinidade pela imperfeição extrema.

A forma como começa a história de uma vida costuma ser bonita… com muitas fotografias e momentos memoráveis… a primeira palavra, o primeiro passo. Não sei quando ocorreram tais momentos. Perdi o melhor da vida e, hoje, tento compensar a infelicidade a que fui sujeito e o destino que me foi traçado. Porque podem ter tirado muito de mim… mas a curiosidade e o inconformismo… são meus. Ninguém me tirará isso.

Nem hoje, nem nunca.

Finalmente, um tempinho para o blog. =)