quarta-feira, 19 de maio de 2010

Histórias de amor

Quando desenganam a mente dos puros, tudo parece eclodir. Não há mais histórias de amor. Há histórias de luxúria, desejo físico, impetuosidade. É cliché escrever uma história de amor porque, hoje em dia, é isso que elas são. Histórias, passado, recordação do sonho perdido. Contudo, em alguns de nós, especiais, elas vivem e, na maioria delas, perpetuam.

É assim que o casaco sujo e a manga rota surgem. Amor à primeira vista não é querer deitar-se sobre outrem e despejar suas memórias sujas, enganosas, numa atitude egoísta e egocêntrica da paixão. O casaco sujo usa esse mesmo casaco desde o dia em que, quando tinha os seus dezoito juvenis anos, foi expulso do seu lar… de acolhimento. “Aquele não é sítio para crianças”, diz-nos a sociedade. Mas, diz a instituição que também não é sítio para adultos. Linha estúpida essa, a definição do dia em que temos de deixar tudo o que temos de bom na vida. A manga rota já nasceu descosida. A sua casa é a rua. Sempre foi. Sempre será.

O momento em que olhares se cruzam é como espadas enferrujadas. Duro… É difícil manter a inocência quando o nosso dia é feito de tentativas de roubo à nossa fragilidade. O olhar cruza-se e mantém-se fixo por minutos. Sim, porque nesta rua o tempo é a coisa menos importante. O tempo passa, depressa, devagar… Mas é sempre o mesmo tempo.

Quando a fome vence a manga, esta desfalece. Desmaia. A fraqueza é forte excessiva neste dia. Hoje, nem a sopa dos pobres nem a côdea dos ricos. E assim foi nos últimos quatro dias. E, aliás, assim será, provavelmente, nos próximos. O ciclo fecha-se enquanto o casaco sujo se apressa a aconchegar a manga rota.

Isabel de seu nome.

Os cabelos desgrenhados alojam-se nos braços débeis do casaco roto.

Marcos de seu nome.

O céu manifesta a sua raiva, a Natureza desperta com semelhantes actos de louvor à condição humana. Pelo menos eles… ajudam-se. A pinga de água no oceano da desordem, da estupidez. A chuva cai fortemente e o cabelo de Marcos escorre uma simples tinta castanha. A tinta de que somos feitos. Pó. Os seus olhos azuis são luz vaga na escuridão que se aproxima e se apodera.

Pela segunda vez nesse dia, Isabel abre os seus olhos castanhos e, com eles, observa o seu protector. Amareleja a sua expressão. O sorriso amarelo é vistoso e denunciante! Eis o salvador! Quem diria que hoje estaria deitada sobre os braços de um homem tão infeliz quanto ela!

Todos.

As classes têm linhas definidas por barras firmes de ferro. Fácil ficar frustrado com finais felizes. Nunca são perfeitos. Ou, se o são… nós tratamos de os tornar imperfeitos. Pelo menos aos nossos olhos.

Enquanto a voz vive, as palavras fluem. O entendimento é mais que natural e a suavidade é simplesmente magistral. O céu já escureceu e a lua… essa desvaneceu. As nuvens levitaram e as estrelas, essas… brilharam. Até porque o mundo pára enquanto o amor se manifesta. Ainda que só para eles. Ainda que a chuva caísse e eles vislumbrassem estrelas. Porque nós vemos o que queremos, somos o que queremos mas sentimos… o que não sabemos.

Hoje sim, sabemos. Só nós temos histórias de amor.